outubro 26, 2010

Seja prudente

Durante muitos anos o consumo de vinho, ao menos em Portugal, esteve desprestigiado.
Talvez porque a produção estivesse em baixa, se olhada pelo lado da qualidade.
A qualidade não estimulava o consumo e a inexistência deste não incentivava o investimento.
Há poucos anos o ciclo foi quebrado. Hoje o consumo de vinho é socialmente valorizado e existe, por isso, um quadro de referências que orientam o consumo do vinho: boa comida, copos adequados, convívio, amigos e moderação.
Há meses, para leitura de aeroporto, comprei uma revista sobre cervejas e percebi que o mesmo é válido para a cerveja.
É claro!!
O cerimonial da degustação é o mesmo: a cerveja tem uma cor, tem aromas, tem sabores e desperta sensações.
O copo onde é bebida condiciona o que dela se retira.
Diferentes cervejas harmonizam diferentemente com a comida que as acompanha.
Já não é anormal ouvirmos falar de vinho de sobremesa, mas quem já ouviu referências a uma cerveja para esse fim?
Tudo isto são coisas óbvias!
Quantos de nós já pensaram nelas?
Quantos de nós já as experimentaram?
Aqui fica o desafio: Tratemos da cerveja como já tratamos o vinho!
Bebamos com moderação!

agosto 22, 2010

Pormenores

Vi, há tempos, numa revista uma referência a um estudo norte-americano para cuja realização foi feito um inquérito em resposta ao qual 88% dos inquiridos afirmava que as casas de banho dos restaurantes eram muito importantes e 29% dos questionados respondeu que não voltaria a um restaurante cujas instalações sanitárias o tivessem desagradado.
Tenho um conceito largo de experiência gastronómica, o que aplicado a um restaurante significa que dele espero muito mais do que boa comida. Num restaurante todos os pormenores contam para percebermos que valor nos atribui o restaurador enquanto seus clientes.
Há uns meses fui à Terceira e tive a possibilidade de visitar e experimentar o restaurante Mar à Mesa, na Praia da Vitória.
Se todos os pormenores contam, há um que é vital: a comida!
No Mar à Mesa comi bem. Muito bem!
O peixe era fresco e estava grelhado como deve ser. Os legumes cozidos trincavam-se e não estavam aguados. O conjunto estava perfeito aos olhos, no nariz e na boca!
Provei um bife do acém redondo que estava divino! Mal passado, apenas com sal na hora de sentir o calor da brasa. Suculento, com sabor a carne e presença de fumo. Estava tão bom, que o preferi solitário.
Não comi sobremesa, mas recomendo o vinho. Foi um Vallado tinto, que bebi pela primeira vez.
O serviço tem de ser melhorado.
A sala é muito clara, com muita luz natural e bem decorada. É um espaço onde se está muito bem. Um espaço onde apetece ficar!
No final registo para a primeira surpresa que tive neste Mar à Mesa: os lavabos! Tão bem decorados e cuidados como as restantes áreas do restaurante. Destaco o pormenor, único nos Açores em restaurantes fora de unidades hoteleiras, das pequenas tolhas de pano individuais para as mãos, que definem a preocupação que o dono tem em proporcionar-nos uma experiência inesquecível.
Gostos não se discutem e cada um o tem o seu, mas este Mar à Mesa é um bom restaurante. Se mantiver este registo pode afirmar-se como dos melhores dos Açores.

junho 27, 2010

Não é caro!

Jamie Oliver esteve ligado a interessantíssimos projectos destinados a promover mudanças dos hábitos alimentares de algumas comunidades.
Estive a rever uma gravação de um programa de TV sobre o projecto em causa, do qual fazia parte uma conversa entre Jamie e uma jovem senhora cuja filha, ainda criança, comia “pita shoarma” com batatas fritas todos os dias.
No decurso da conversa chegou-se à conclusão de que se gastavam cerca de 80GBP, mais ou menos €97,50, por semana só para alimentar a criança, valor que consideraram exagerado e superior ao que seria possível enquadrar no orçamento da família em causa.
Com €97,50 poderemos comer muito melhor do ponto de vista gastronómico, que já inclui a perspectiva equilibrada da alimentação.
A ideia de que ser gastrónomo é caro tem de ser combatida!
Alimentação simples, usando ingredientes frescos, nas quantidades acertadas, apelando aos sentidos através do perfume, da cor e da textura, custa pouco e é “gourmet”!
É indispensável, em primeiro lugar, que se conheçam bem o valor e importância de cada alimento. Temos de saber, logo a seguir, como devemos combiná-los entre si. Em terceiro lugar é necessário saber-se a melhor técnica para os processar e, finalmente, temos de ter bom gosto, o que inclui a compreensão de que gastronomia não é apenas sabor.
O nariz e os olhos também comem e na boca sente-se mais do que isso!

junho 10, 2010

Simplicidade

Baunilha, pistáchio, “bourbon”, frutos silvestres, laranja e caramelo.
Tenho tido a possibilidade de visitar vários lugares, explorar e experimentar diversas culturas gastronómicas.
Depois de uma época onde se viveu por todo o mundo uma época de grande agitação, com o advento da cozinha molecular e o apogeu da fusão, eis que regressa a simplicidade!
Há dias estive em França, país que alberga uma das mais elaboradas e complexas cozinhas.
Participei num jantar que terminou com um gelado de baunilha, que veio repousando numa fina, mas fofa, alcatifa de pistáchio e “bourbon”, cercada por um suave “coulis” de framboesas, encimado por umas finíssimas tiras de casca de laranja e um estilhaço crocante de caramelo.
Cada uma das peças, degustada individualmente, era a simplicidade materializada! Experimentadas em conjunto eram simplesmente divinais!!

abril 29, 2010

Fora da época

Fruta da época é uma expressão que se utiliza muitas vezes para designar algo que ocorre no tempo próprio, tal como a fruta que, de acordo com as leis da natureza, tem um determinada época de colheita e utilização.
Hoje já não há fruta da época!
Em qualquer altura do ano come-se qualquer espécie de fruta e, se formos honestos connosco próprios, temos de concluir que gostamos de comer algumas frutas bem fora da época.
A edição portuguesa do "Le Monde Diplomatique" de 12 de Março publicou um interessante trabalho sobre a produção de tomate em Almerida, região espanhola onde ocorre a maior taxa de dias de exposição ao sol da Europa.
O trabalho intitulava-se "E tudo por mais alguns tomates" e fazia o registo das vergonhas ligadas ao cultivo do tomate nessa região: mão-de-obra fortemente formada por imigrantes ilegais, ganhando €32 a €37 por jornada de 8 horas de trabalho, superlotando pequenas"casas" sem electricidade e sem água; contratação controversa de camionistas do leste europeu, esquemas à margem da lei que condicionam o custo final do transporte.
Tudo isto se faz porque ninguém parece estar disposto a pagar mais de €2 por cada quilo de tomate.
Os métodos de cultivo evoluiram e já há produtores que só utilizam a cultura de superfície, na qual a raiz não chega estar enterrada.
O trabalho termina citando o Chef francês Jacques Pourcel "Eu só cozinho verdadeiramente o tomate no Verão, quando cresceu na terra, em pleno campo, amadureceu ao sol, não muito regado, submetido ao mínimo de produtos químicos. Nessa altura torna-se saboroso, não demasiado sumarento, apurado por uma ligeira acidez".
Será que encontramos isso num tomate de inverno?
Que preço paga a humanidade pela fruta fora da época?
A vida cómoda que procuramos levar evita que pensemos em coisas que não deveríamos esquecer nem mesmo quando nos sentamos à mesa!

abril 20, 2010

3000 molhos?!

Em Dezembro, fora dos Açores, saí do hotel para ir almoçar a um restaurante onde encontrei dois amigos de cá, com quem acabei por almoçar.
Na conversa um deles referiu-se a um amigo, residente nos EUA, que era Chef especialista em molhos!
Não duvidei, mas fiquei admirado e fui pesquisar. É verdade! São os Chefs Saucier!
Um molho é um condimento mais ou menos líquido, quente ou frio, que acompanha um prato. Serve para acrescentar, mas deve harmonizar-se e não sobrepor-se!
Fernand Jobert, gastrónomo francês, terá dito que "um molho deve prolongar o gosto de um prato, mas nunca mascará-lo, nem decompô-lo".
Os cerca de 3000 molhos identificados com origem na França fazem com que os molhos sejam uma questão francesa.
Do tempo dos Romanos chegou até hoje o conhecimento do "garun" e da Idade Média o "poivrade", o "cameline", o "dodine" e o "robert", todos picantes ou agridoces em demasia.
Só nos sécs. XVII e XVIII é que surgiram molhos mais refinados e aromáticos: "bechamel", "soubisse", "maionese", "duxelle" e "mirepoix".
A Novelle Cuisine contribuiu para um aligeiramento dos molhos e introduziu novos ingredientes.
Os molhos, contudo, não perderam importância. Segundo Franco Luise “os fundos e os molhos de base são tão importantes para a cozinha como os alicerces de um prédio".

abril 13, 2010

Um gourmet não é um totó!

Lembro-me que num dos primeiros dias que passei em São Miguel, quando para cá vim frequentar a Universidade, dei uma volta por Ponta Delgada e identifiquei alguns restaurantes onde não me parecia que eu um dia viesse a entrar.
Somos, os Açores, uma terra de peixe, apesar de ser difícil encontrá-lo, bem tratado, nos restaurantes.
Sempre comi, com gosto, peixe fosse ele nobre ou pouco valorizado comercialmente. Aprecio-o de qualquer espécie ou forma de preparo.
O chicharro é quase um ícone de uma determinada economia piscatória que muito dificilmente terá condições para assegurar uma vida digna a quem se dedica, em exclusivo, à sua apanha.
Não conheço outro local onde se comam chicharros como em São Miguel.
O chicharro é um peixe simples, apanhado por gente humilde e sempre preparado segundo técnicas cristalinas, facilmente executadas por quem os queira cozinhar.
Chicharros fritos, batatas cozidas, em regra com a pele às vezes cozidas em água do mar, cebolas curtidas, num suave vinagre de vinho, e feijão guisado, uma surpreendente companhia, constituem-se como um dos pratos mais servidos em alguns restaurantes de São Miguel.
Sou apreciador desse manjar que consumo periodicamente.
O peixe fica, em algumas partes, crocante, mantém o seu sabor e o do mar que é sublinhado pela presença do sal.
Na Cervejaria Sardinha, vulgarmente conhecida por “Mané Cigano”, comem-se dos melhores chicharros que há em São Miguel. O serviço não tem primores, mas é rápido e atencioso, a sala é pequena, simples e de mesa corrida.
Todos comem à mesma mesa.
Todos são iguais: apreciam boa comida, o convívio dos amigos e uma boa conversa.

abril 05, 2010

Fabrico Próprio

Fui despertado para esta nota pela leitura de um artigo na revista “Gastronomica – The Journal of Food and Culture” que fazia referência ao projecto “Fabrico Próprio”.
“Fabrico Próprio” é uma expressão que me habituei a ver em diversas pastelarias, sobretudo do Continente. Em muitos casos, pelo aspecto do estabelecimento, sempre pensei que se tratava de publicidade enganosa.
Hoje só posso pensar, que salvo escassas e honrosas excepções, se trata de uma frase que, tendo sido verdadeira um dia, ficou, pelo trabalho que daria a retirar, inscrita na montra para a posteridade.
Nos dias de hoje já quase não há “Fabrico Próprio”!
Lembro-me, no Faial, de diversos bolos e bolachas, que comia amiúde, muitos dos quais os contemporâneos dos meus filhos já nem o nome conhecem.
Jesuítas, palmiers, garraios, canelas, picos, folhados de coco, queijadas (no Faial chamavam-se queijadas a quase todos os bolos que partilhavam o formato com o bolo de queijo que lhes deu esse nome) de mel, rosquilhas de manteiga e de coco, palitos de limão e de cacau, carcavelos, bolachas nº2, cavacas e roscas de água.
Grande parte disto já se perdeu. Ou já não se faz ou produz-se com técnicas e matérias-primas que transformaram, para pior, aromas, sabores e texturas.
Lembro-me das queijadas de nata (as únicas que se faziam no Faial na altura) que nada tinham a ver com os tão conhecidos pastéis de nata, mas eram igualmente saborosas.
Hoje já praticamente não se fazem pastéis de nata nos Açores. Vêm todos pré congelados de fábricas sedeadas em outras paragens e que os produzem exactamente iguais.
É o resultado da globalização e da normalização que também avança sem dó nem piedade no domínio da gastronomia, apagando memórias, aniquilando diferenças e gerando, mais vezes do que o desejável, coisas que não fazendo mal a alguém agradam a ninguém.
Mas há cada vez mais gente em busca da genuinidade das coisas simples e únicas, o que abre espaço e cria oportunidade para negócios bem sucedidos de “Fabrico Próprio”.
A defesa do “Fabrico Próprio” é uma espécie de “ambientalismo de pastelaria”!

março 28, 2010

Gourmet

Um amigo, há tempos, quando eu lhe disse que era um “Gourmet” retorquiu-me exclamando:
- Isso é uma forma simpática de dizeres que és um comilão!
A Gastronomia é uma arte. Tem, por isso, uma conta, um peso e uma medida. Não admite exageros.
O exagero mata o prazer!
A arte estimula os sentidos e o exagero abafa-os!
Um comilão é um exagerado!
Gastronomia são perfumes, cores, texturas e sabores. É criação e comunicação. São amigos e longas conversas. É história e cultura.
Gastronomia é vida!
Um “Gourmet” compraz-se com a vida.