novembro 15, 2012

Em Lisboa carapaus!

A Tasca da Esquina, do Chefe Vitor Sobral, inaugurou um movimento de modernização das velhas tascas portuguesas de vocação petisqueira.
Hoje já abundam em Lisboa propostas nesse segmento, que oferece pequenas doses a preços módicos, promovendo uma diferente forma de comer e facilitando o convívio entre comensais.
Experimentei recentemente o restaurante 2 à Esquina, que se classifica como uma “casa de iguarias e petiscos”.
Trata-se de um espaço onde é permitido fumar e predomina o escuro para domesticar a luz que entra pelas duas enormes janelas que ocupam com a porta, também envidraçada, a totalidade das paredes exteriores da sala de refeições.
O serviço é frio, formal e distante de quem, como eu, lá estava de passagem e excessivamente familiar com os clientes frequentes, que naquele dia por lá almoçaram.
A carta continha, em número apreciável, vários petiscos entre os quais: morcela com ananás, passarinhos fritos, pataniscas de bacalhau, mexilhões de vinagrete, moelas de tomatada, ovos verdes e ovos mexidos.
Na secção de iguarias recordo-me do bife à marrare, do arroz de lingueirão e das burras estufadas.
À disposição dos clientes havia, ainda, uma secção de pratos do dia, dos quais me lembro do arroz de cabidela, à quarta-feira, e dos carapaus do gato com arroz de grelos, que comi, à quinta-feira.
Para não prejudicar muito o regime alimentar bebi água, não tendo sequer, para evitar tentações, perguntar pela carta dos vinhos, mas percebi que havia oferta de vinhos a copo.
Pela mesma razão não toquei num queijo de azeitão, nuns tremoços com azeitonas e numa manteiga, que me pareceu aromatizada.
Experimentei, apenas, uma fatia de pão escuro, que veio servido numa cesta de pão que incluía outra variedade, com um pouco de azeite.
Fui, no momento do pedido, avisado de que os carapaus não eram miúdos porque no mercado não os houvera nesse dia, informação que valorizei pelo facto de permitir alinhar as minhas expectativas com o produto que poderia ser servido.
Afinal, o chicharro miúdo não andou fugido somente dos Açores!
 

Quando o prato me foi apresentado verifiquei, com agrado, que os carapaus nem eram muito grandes.
O arroz vinha caldoso e continha grelos em abundância, embora muito picados. Estava servido, muito sabiamente, numa pequena tigela, para que o caldo não interferisse com a textura dos carapaus, empapando-os e retirando-lhes o indispensável crocante, que era muito leve dada a dimensão dos peixinhos.
No arroz ponto de cozedura estava excelente e o aroma apetitoso, mas na boca o sal sobressaia demasiado.
Os chicharros, considerando o seu tamanho, estavam muito bons! Eram frescos, foram retirados à frigideira no ponto de fritura exacto e não tinham gordura em excesso. Até a sua forma e aparência não estavam adulteradas pelo tratamento culinário que levaram.
Parabéns a quem os fez!
A combinação era bem intencionada, mas o sal excessivo do arroz prejudicou um pouco a obra.
No final não resisti, apenas por curiosidade, a experimentar o pão de ló de chocolate. Devia ter ficado quieto!

agosto 15, 2012

Xarém

Xarém é, basicamente, uma papa de farinha de milho de moagem grossa, na qual se colocam conquilhas, toucinho fumado e cubos de pão frito.
Como se vê pelos ingredientes trata-se de um prato de gente simples e sem muitos recursos, geralmente pescadores ou apanhadores do bivalve.
O xarém, designação que tem origem no árabe “zarem”, é típico do Algarve, mas em toda a bacia do Mediterrâneo poderemos encontrar estas papas de milho, com outras designações e formatos, sendo, na minha opinião, a italiana polenta uma delas.
Em Portugal há, também, várias versões, nomeadamente os milhos, da região de Trás-os-Montes, e o conhecido milho frito da Madeira.
No meu julgamento, considerando os ingredientes básicos e as técnicas de produção, o bolo de milho do Pico e o da sertã de São Miguel têm, da mesma forma, origem nestas papas de milho.
Actualmente o xarém, como todos os seus aparentados, é conhecido e apreciado em mesas pobres e ricas, como substância da refeição ou apenas como testemunha de outra iguaria.

junho 09, 2012

Assinatura valiosa!


Já lá tinha ido, mas não guardei notas.
Recordo-me que gostei do ambiente. Era calmo e o serviço pronto e discreto.
Do que comi nessa altura, a sopa foi o que me marcou. Era um vulgar creme de feijão com couve, mas servida de uma forma que lhe deu um toque de classe inesquecível, facto que conjugado com a sua qualidade intrínseca, conhecida logo após a primeira colherada, tornou a experiência memorável.
A sopa chegou à mesa em dois tempos. Primeiro, em prato próprio, apresentaram-se a couve, em farripas mais grossas do que as do caldo verde e cozidas q.b., e umas rodelas de chouriço, de boa valia, levemente salteado. Depois chegou, num pequeno e elegante jarro, o creme de feijão, que foi vertido sobre a couve e o chouriço.
O creme, suave e adocicado, com o toque amargo da couve formaram em conjunto com o sal e a nota ácida do chouriço um conjunto de sonho!
Depois experimentei um tamboril assado com batatas de caldeirada. Fi-lo porque só o havia comido, até aquela data, com arroz.
Valeu a pena!
Voltei ao Assinatura recentemente e confesso que moderei a minha avaliação do restaurante.
Cheguei cedo. Fui mesmo o primeiro cliente a chegar para o almoço.
À chegada, ainda na rua, havia algum pessoal do restaurante na conversa e a fumar, o que não me pareceu bem, sobretudo se se considerar, que lá ficaram, dando a imagem de que eu não tinha importância.
Não gostei!
Mexeram na disposição do mobiliário, o que dá um toque de dinamismo, sempre interessante, mas pareceu-me que o espaço ficou mais escuro.
A comida, embora servida com menos aparato, voltou a estar em grande nível.
Comecei com um creme de feijão branco com ameijoas.
O creme estava muito bom e as ameijoas, que eram frescas, também.
Sublinho a frescura do bivalve para assinalar que há, de facto, muita diferença entre as ameijoas frescas e as congeladas.
Foi a segunda vez que experimentei a combinação de feijão com ameijoas e confirmei que é feliz.
Veio, depois, a corvina assada e mexilhões em xarém.
O peixe estava óptimo, sobretudo porque sabia a peixe e não estava seco.
O xarém com mexilhões, que acamava a corvina, estava cremoso, mas sabia bem a sua condição de actor secundário desta peça.
Em ambas as visitas prescindi da sobremesa, embora, pelos nomes e pelo que vi nas outras mesas, houvesse tentadoras opções.
Da segunda vez, bebi Vinha Paz tinto, servido a copo, que cumpriu na perfeição o seu papel de acólito.

abril 28, 2012

Torricado

O Torricado consiste numa fatia de pão tostado untado com azeite e esfregado com alho.
É originário do Ribatejo e terá aparecido como forma dos pastores aproveitarem pão mais duro, torrando-o numa fogueira, temperando-o com azeite e alho para acompanhar, em conjunto com um copo de vinho, bacalhau, geralmente assado.
O link http://www.youtube.com/watch?v=ylnPSuKAyog, conduz-nos a um pequeno filme que procura explicar a origem do Torricado.
O Torricado já foi alvo da atenção da cozinha contemporânea portuguesa e já aparece em outros enquadramentos e com outras aplicações, como poderemos ver nesta sugestão de José Avillez http://www.youtube.com/watch?v=ExWDvgutuPQ.
A italiana Bruschetta é, na sua essência, a mesma coisa que o Torricado, o que não surpreende, uma vez que utilizam ingredientes básicos da cozinha mediterrânica, que Portugal e Itália partilham: pão e azeite.

março 21, 2012

Tostas há muitas!

Uma fatia de pão de tom bronzeado, fruto da sua exposição a uma fonte de calor é uma tosta.
O seu aspecto abrilhanta-se se sobre ela se passar um pouco de manteiga ou, como fazem frequentemente em Espanha, se a besuntarmos com azeite.
Além da cor, o processo de tostar o pão dá-lhe uma textura mais seca e crocante e um sabor mais suave.
Tostas há muitas, mas uma das mais conhecidas é a Tosta Mista, que se compõe por uma fatia de queijo, usualmente flamengo, e uma de fiambre bem apertadinhas por duas fatias de pão.
Se o processo de tostar é feito depois de colocado o queijo e o fiambre entre o pão, aquele fundirá um pouco e terá tendência a fazer fios quando trincarmos a tosta.
Mas há outras tostas. Muitas outras!
De entre elas sugiro que experimentem a esfregar azeite com um pincel numa fatia de pão rústico tostada, na qual se deitem umas rodelas de tomate grelhado sob fatias de queijo mozarella, à temperatura ambiente, encimadas por um pouco de pimenta moída e orégãos ou manjericão.

março 07, 2012

Coisas preciosas!

Há uns meses tive de passar alguns dias em Angra do Heroísmo.
Uma das caminhadas matinais diárias foi feita, entre as 6H30 e as 7H30, na zona histórica da cidade.
A cidade estava acordando. Fresca, calma e pura!
A essa hora do dia e nessas condições é sempre possível atendermos a pormenores que nos passam despercebidos no meio dos incontáveis apelos que recebemos no reboliço dos dias, que parecem cada vez mais curtos.
É nessas alturas que percebemos que a vida, a vida que vale a pena, é feita de coisas simples!
Angra cheirava a tosta com manteiga!
Que simplicidade! Que maravilha!
Enquanto andava resistia. O regime alimentar não permite descuidos fora do fim-de-semana.
Mas enquanto andava também me vinham à cabeça recordações de coisas simples que dão vida, pelo seu perfume, pela sua música ou pela sua cor, às cidades que habitamos e aos locais que frequentamos.
Há anos na cidade da Horta as fábricas de lacticínios, que lhe ficavam distantes, tinham uns postos de venda, conhecidos por depósitos. Era lá que a generalidade das pessoas comprava o leite do dia, queijo, manteiga e natas. Desses depósitos saia um intenso cheiro a queijo, que me obrigava a circular na zona pelo lado contrário da rua.
Ainda hoje, mas em Ponta Delgada, existe uma loja de venda de queijo, junto ao Mercado da Graça, que, em certos dias, exala igual perfume.
Até mais recentemente sobreviveu, igualmente na cidade da Horta, a mercearia do Sr. Porto, que vendia, entre muitas coisas, café moído no momento. Passava-lhe à porta com frequência e parava só para apreciar o perfume do café, sempre intenso, e a batida apressada dos moinhos que desfaziam os duros grãos em pó.
Nessa mercearia, como em muitas outras, era apreciável a destreza com que se faziam os embrulhos de papel que embalavam o café e outros géneros, que naquela época eram vendidos avulso.
O desenvolvimento tecnológico trouxe-nos muita coisa boa. Tantas, que eu não trocava a vida de hoje pela de ontem.
Temos, contudo, saudades de coisas que vão sobrevivendo, mas apenas na memória dos mais velhos.
A tecnologia levou dos cafés, pelo menos da esmagadora maioria deles, a forma de aquecer os galões. Há uns anos um galão era feito no momento do pedido, misturando-se o leite, à temperatura ambiente, com o café acabado de fazer. O seu aquecimento era feito com vapor produzido pela máquina de café, processo que originava uma “música” que hoje já quase não se ouve nos cafés.
São estes perfumes, estas músicas, as cores da nossa terra e as pessoas que somos, que desenham o ambiente irresistível, em que representamos a nossa vida.
Uma vida feita de coisas simples e genuína, por isso preciosa.

fevereiro 22, 2012

Ovos verdes

Lembro-me de comê-los desde miúdo, mas conhecia-os por ovos recheados.
Os ovos verdes, prato simples de preparo fácil, estão inscritos na chamada cozinha tradicional portuguesa, sendo, como tal, referidos nas obras de Alfredo Saramago, no livro Lisboa e seu Termo, e na conhecidíssima obra de Maria de Lurdes Modesto intitulada, precisamente, de Cozinha Tradicional Portuguesa.
Já os comi acolitados das mais diversas formas, mas a companhia que mais lhes aprecio é arroz de grelos ou branco enxuto com sabor a manteiga.
Luis Baena, um dos mais destacados Chefs do Portugal contemporâneo propõe-nos ovos verdes com arroz de coentros: http://lifestyle.publico.pt/Videos/Video/b3bc39b9-24bf-46e2-8503-4f65f19b2374/1

fevereiro 08, 2012

Sofisticado


Há uns meses atrás li “Setting the table”, um livro recomendável para qualquer gourmet e obrigatório para quem é ou quer ser restaurateur.
Uma das coisas que melhor recordo do livro é a passagem onde Danny Meyer, o seu autor e proprietário do Union Square Hospitality Group, conta a história do “The Modern”, o restaurante do Museum of Modern Art em New York – MoMA.
Em Lisboa, na Rua de São Nicolau, abriu recentemente um restaurante de nome Moma.
Pessoa amiga, conhecedora da minha veia gourmet, desafiou-me para um almoço lá.
Aceitei, com gosto, e fiz, logo aí, um desenho do que iria encontrar. Ficou bom, mas verifiquei, no momento da chegada, que não era um retrato.
Gostei do espaço, apesar de pequeno e não corresponder ao que imaginara, da mobília, da cutelaria, da louça e sublinho o facto de guardanapos e toalhas serem de pano e estarem impecavelmente limpos e passados. Muito bem!
Em geral o restaurante tem um ar imaculado, que nos descontrai e deixa a nossa atenção livre para se concentrar no que interessa.
A carta foi uma surpresa!
Comida simples, daquela que nos habituamos a comer em casa, a preços muito acessíveis.
Provei uma salada de rúcula com bacon e queijo parmesão, temperada com azeite e sal. Verdura fresca, viçosa, azeite e sal nas mediadas adequadas e queijo de boa qualidade. O bacon deveria ser em pedaços mais pequenos e crocantes.
Os ovos verdes, metades longitudinais de clara cozida recheadas com a gema, salsa, que lhes dá a nota verde, manteiga, para ajudar a ligar e um golpe de vinagre, que lhes dá, na boca, um toque de frescura. Eram panados e fritos em azeite. Estavam uma delícia!
A pequena salada que acompanhava os ovos estava discreta, para não lhes apagar o brilho. No prato vieram, também, uma dúzia de generosos cubos de batata cozida com vestígios de maionese, o que favoreceu a leveza do conjunto e não matou nenhuma das individualidades sápidas.
A sobremesa, um leite-creme, foi uma decepção!
Estava abaixo da temperatura ambiente e apresentou-se com uma camada de açúcar, que não foi queimado na altura, muito espessa e, por isso, dura.
Serviço calmo e atencioso.
Sublinho a simplicidade de tudo: do espaço e da sua brancura, do que lá se come, de quem lá trabalha, da forma que o faz e como se apresenta.
Termino lembrando Leonardo da Vinci: “A simplicidade é a derradeira sofisticação”.

janeiro 25, 2012

A melhor!

Já havia estado à porta. Foi em Junho de 2010. Estavam de férias.
Respondi a um apelo que dirigi a mim próprio quando, há anos, julgo que na revista Única, vi uma referência ao Bufete Fase
Voltei lá recentemente. Estava aberto!
Na montra apresentava-se um diploma onde se lia “a melhor Francesinha do Porto”. Entrei. Eram 5 mesas e 15 cadeiras.
Pedi uma Francesinha, que era o que me levara ao Bufete Fase, e uma coca-cola zero. Para me entreter, até chegar a pequena gaulesa, pedi um rissol. Entre o de carne e o de camarão escolhi o primeiro.
Era grande, como são os rissóis no Porto, de massa fina, recheio abundante e gostoso. Fritura sem óleo em excesso.
Ela, a Francesinha, chegou alta com aspecto fofo.
O tom amarelado do queijo permitia antevê-lo gorduroso, macio, cremoso e dotado de suave sabor, como todos os flamengos. Correspondeu!
O pão apresentou-se fresco, massudo, mas não pesado nem empapado.
Em cima da sanduiche e entre as fatias de pão que a faziam, havia linguiça, que apresentava uma textura seca e um sabor ácido, fundamental para contrastar com o queijo.
Dentro da sanduiche, além de queijo havia fiambre, de boa qualidade, que, mesmo assim e do meu ponto de vista, nada acrescentou, do prisma gustativo, a esta Francesinha.
Ensanduichado estava, também, um bife, que se constituiu como a maior surpresa desta Francesinha. Era tenro. Foi previamente grelhado, mas deixado no ponto e, qual cereja no topo do bolo, sabia a carne. Perfeito!
No molho, onde não havia sinais de amargura, geralmente deixado pela cerveja, o tomate marcou a sua presença sem deixar dúvidas. Digno de registo estava o picante, muito suave, que visitava a boca no final.
Destaco o equilíbrio desta Francesinha. Todos os sabores estavam presentes, sem que algum se sobrepusesse. Todos mantinham a sua individualidade, mas davam o seu contributo para um conjunto de grande valia.
No fim uma sugestão: Se não for possível utilizar batata fresca, ao menos que a fritura do tubérculo pré frito que é apresentado seja mais bem feita, para evitar que o excelente trabalho na Francesinha fique manchado pelas batatas que, podendo não ser comidas, são apresentadas.
Recomendo vivamente.