setembro 27, 2016

Venha um e depois mais outro ...

Na Horta havia três padarias.
A Padaria Faial, que ficava no Largo do Bispo, junto às atuais instalações do Grémio Literário Artista Faialense, era, julgo, a mais pequena. Para além de pão de trigo produzia uns pequenos pães de massa sovada, que eram bem conhecidos e apreciados, e uma diversidade de bolachas e biscoitos, de entre os quais me recordo das bolachas de manteiga, de formato circular e parecidas com as de água e sal.
Quase do outro lado da rua ficava a Padaria da Sociedade Cooperativa Previdência Operária, que era a maior de todas. As suas instalações ocupavam o edifício onde nos dias de hoje opera a Caixa Económica da Misericórdia de Angra do Heroísmo, que absorveu uma caixa económica que era da mesma sociedade a que pertencia a padaria.
A Padaria Operária, como era comummente conhecida, produzia pão e um conjunto apreciável de secos, termo que se utilizava, pelo menos na minha família e seus conhecidos, para designar genericamente as bolachas e biscoitos. Lembro-me bem dos palitos de limão, que eram bem rijos, mas bem apaladados, e das bolachas de água e sal, que ainda hoje, embora produzidas pela Padaria Popular que, entretanto, adquiriu a sua operação, são do melhor que existe no seu segmento.
A Padaria Popular, a única que resistiu, tinha as suas instalações industriais na Rua Dr. Freitas Pimentel e um ponto de venda, ainda hoje existente, na “Rua Direita”. Das três padarias era a que tinha uma oferta mais distinta, quer no segmento do pão, quer no das bolachas e biscoitos. Era, contudo, a sua produção de pastelaria semi-industrial que a diferenciava.
Há anos que trago na memória a nota, transmitida pelo meu pai, de que a introdução da pastelaria semi-industrial na Horta se teria ficado a dever a um pasteleiro continental, chegado ao Faial, para a Padaria Popular, pela mão de um seu proprietário que era oriundo do Continente.
Marçal Marques Correia, que adquiriu a Padaria Popular ao herdeiro da sua fundadora, era continental e vizinho, na sua terra natal, de uma padaria!
O Jesuíta, de acordo com a obra “Fabrico Próprio”, é um bolo de “massa folhada”, em forma de triângulo, recheado de “doce de ovos, gila e canela. Cobertura de glacê real ou amêndoa triturada e clara de ovo”.
Julga-se que o Jesuíta chegou a Santo Tirso, vindo de Bilbao, trazido pelas mãos de um pasteleiro espanhol, que terá sido cozinheiro de padres da Companhia de Jesus, contratado para a Confeitaria Moura, em atividade desde 1892.
Sempre me lembro de a Padaria Popular produzir o Jesuíta na sua variante com glacê real.
Por São Miguel encontravam-se alguns Jesuítas, da variante coberta com amêndoa triturada e clara de ovo, dos quais não me esqueci, por causa da sua boa qualidade, do da Pastelaria Brito, infelizmente, não só por causa dos Jesuítas, já extinta. Só muito recentemente vi e experimentei Jesuítas com glacê real, que não recomendo!
Pelo Continente é fácil encontrar Jesuítas. Dos que conheço, e já conheço muitos, é obrigatório deixar registo e recomendar vivamente os Jesuítas do Califa, na variante de cobertura com amêndoa triturada, da Pastelaria Versailles e, é claro, da Confeitaria Moura, com cobertura de glacê real.
Há uns meses provei um no Funchal. Nunca os tinha visto por lá. Foi na A Confeitaria. Não me deslumbrou nem me desencantou! Apenas agradou!
O Jesuíta da Padaria Popular tem dias!
Jesuíta da Padaria Popular
O glacê, não sendo um primor, em regra não compromete. Duvido da presença da gila no creme que dá humidade ao bolo, cujo sabor é sempre marcado pela canela, mas o grande problema é a massa, que muitas vezes não fica suficientemente folhada ou cozida.
Mas num dia sim o Jesuíta da Padaria Popular deve repetir-se! É uma maravilha! Um figo!

abril 25, 2016

Vai ao pão?

Para mim o croissant deve ter uma massa amanteigada e levemente folhada.
Há uns anos, tentado pelo aspeto exterior da coisa e necessitado do pequeno almoço, entrei numa "A Padaria Portuguesa" e, por descuido, pedi, sem os ver, um croissant misto e um leite com chocolate frio.
Gelei por causa do croissant ser de brioche. Uma massa adocicada, espessa e pesada.
Estava pago, só tinham esses croissants, eu estava com fome e sem pachorra para argumentar em favor de um entendimento mais favorável ao meu gosto pessoal.
E pronto! Eis como se faz um sacrifício fora da Quaresma!
Em muitos meses olhei "A Padaria Portuguesa" pelo canto do olho. Continuava com bom aspeto, mas "quem vê caras não vê corações" e "gato escaldado de água fria tem medo".
No final do ano passado a minha filha, falando-me convictamente das qualidades do pão de deus da "A Padaria Portuguesa", lá me convenceu a passar a porta de uma das suas lojas.
Valeu a pena! O pão de deus era bom. Tão bom que me endireitou a forma como olhava para "A Padaria Portuguesa"!
Hoje passei numa "A Padaria Portuguesa" e entrei. Não foi para um pão de deus e croissant, apesar de tudo, aqui nunca mais! O que comi estava suscetível de melhorias, mas ao nível que se deve esperar, quando nos procuramos, apenas, alimentar.
Viro a cabeça para observar o movimento da Álvares Cabral e os meus olhos cruzam-se com uma parede onde se penduravam referências de imprensa à "A Padaria Portuguesa", uma das quais batizada com o título: "Há quanto tempo não vai ao pão?"
Eis-me, finalmente, no ponto de partida!
Ia-se ao pão, à padaria, sobretudo de manhã cedo, porque ele era presença obrigatória ao pequeno almoço.
Hoje só vou ao pão ao fim de semana, ainda de manhã cedo, mas ao café.
O "meu" café é o Volga, na Horta, onde ainda hoje não se vende pão. Quando me passei para São Miguel o mais substancial que se poderia lá mastigar eram uns pregos ou umas sandes de carne assada, mas agora já se comem umas sopas, uns hambúrgueres, algumas francesinhas e um ou outro bitoque.
Estou na "A Padaria Portuguesa", onde há pão. No meu almoço o pão apenas serviu para panar o croquete e o rissol que deram lastro à sopa, agradável, que comi. Muita gente entrou e saiu. Muita gente almoçou, mas dela apenas uma parte comeu sandes e, assim, pão. Muitas pessoas tomaram café, e alguns adoçaram-no com um bolo. Poucos, muito poucos, vieram ao pão!
Como está diferente a nossa vida!
Primeiro mandou a especialização de quem produzia, mas agora segue-se a necessidade de quem consome.
Ainda se vai ao pão à padaria. Mas nos dias que correm lá vamos, sobretudo, matar a fome, satisfazer a gulosice, conviver com os amigos ou simplesmente desafiar o nosso pensamento. (Escrito a 2016.03.01)