Era criança.
A minha mãe, de tempos a tempos,
aplicava sobras de pão a fazer fatias douradas, que, com uma sopa mais
substancial, faziam um almoço.
Naquela altura as pessoas tinham um
maior empenho em aproveitar o que havia, não desperdiçando nada, porque os
recursos eram menos e porque não se verificava o sentimento de abundância que
hoje, como agora, nos prega, partidas.
Os dias de fatias douradas eram dias
desgraçados!
Levei anos que não comi uma rabanada que
fosse!
Em 2000 fui a Montreal a uma
conferência. De caminho pernoitei em Toronto, onde, ao pequeno almoço, entre
outras coisas, me servi de um triângulo de pão de forma, brilhante e
ligeiramente acastanhado, que provei e gostei.
Gostei tanto, que repeti para ver se,
com uma prova mais cuidada, conseguiria perceber os ingredientes e a técnica de
preparo.
De regresso a casa fiz umas experiências
com ovos, leite, açúcar, sal, canela, baunilha e, é claro, pão de forma, que
tostava ou fritava ligeiramente.
Quando me achei suficientemente perto da
"coisa" fiz umas pesquisas na internet e confirmou-se o que já
suspeitava!
Eram french
toast, que os franceses chamam de pain
perdu!
Afinal eu gostava de fatias douradas!
Nos Açores as rabanadas não são usuais
nos restaurantes ou cafés. No Continente já as vi por todo o lado, mas
parece-me que no Porto as pessoas lhes têm uma maior afeição.
Já as comi só com açúcar e canela e em
versões mais elaboradas, com molho de Vinho do Porto ou calda de açúcar
enriquecida com os mais diversos aromas!
A rabanada do Majestic é um caso
distinto! É uma obra de arte!
Aproveita-se do ambiente requintado para
se insinuar misteriosa e complexa.
Na boca percebe-se a sua simplicidade.
Um toque de sal, que realça e controla o açúcar. Uma nota, discreta, de óleo,
que lhe dá brilho e sabor, mas não enjoa nem a torna obesa.
O pão vem firme, mas faz-se sentir
cremoso!
Os frutos secos dão-lhe vivacidade,
porque lhe sublinham ou acalmam o sabor.
O creme de ovos, suave e escorregadio,
liga tudo.
Ao lado, um chá verde que vai normalizando
a excitação das papilas gustativas, permitindo que a obra prima seja apreciada
até fim.