A gastronomia dos Açores, apesar de incluir
algumas preciosidades, não é muito rica e ficou na cauda do movimento de modernização,
que, por todo o mundo, emergiu nos últimos anos.
Nesta área, como em muitas outras, faltou-nos cosmopolitismo,
que nos ligasse ao mundo, gente formada, com conhecimento das técnicas
contemporâneas, bom gosto, para assegurar oferta inovadora e procura
sofisticada. A nossa escassa dimensão também promoveu esta estagnação, uma vez que
não é suficiente para assegurar um nível de procura consistente e capaz de
sustentar, também do ponto vista económico, este movimento.
Seguiram-se, na modernização da gastronomia, que
já teve várias etapas, diversas vias. E se é certo que algumas assumiram graus
de complexidade elevados, que as afastaram dos Açores, a verdade é que só a
inércia pode explicar que uma tendência inovadora na nossa gastronomia não tenha
despertado mais cedo e teime em não acelerar e a não generalizar-se.
Há alguns anos, durante um café tomado solitariamente
depois de um almoço caseiro, levado pela constatação de que havia uma grande
procura de pregos e bifanas, comecei a questionar-me sobre a forma de inovar nesse
segmento.
Rapidamente cheguei ao prego de atum!
Há quatro anos, “se bem me lembro”, fui levado
por um amigo à Cervejaria da Esquina, em Campo de Ourique, cuja irmã Tasca já
conhecia.
Li a ementa apenas para a conhecer, dado que
dos meus apontamentos pessoais já constava o registo do prego de atum, criação
do Chefe Vitor Sobral, o progenitor da família Esquina, já com ramificações no
Brasil.
Vitor Sobral conhece os Açores e assina um conjunto
de interessantes criações inspiradas nos sabores e perfumes da nossa terra.
Por cá só conheço prego de atum num
restaurante, que, talvez porque “santos da casa não fazem milagres” se revelou
um ato falhado!
Na Cervejaria da Esquina da Rua Correia Teles,
em Campo de Ourique, o atum, que separava as duas metades de uma carcaça
estaladiça e leve, mas consistente, vinha, como pedido, mal passado. As suas
cores regalavam os olhos e na boca confirmou a suculência que o seu brilho
anunciava.
Logo na primeira dentada a manteiga acusou-se,
acrescentando um saibo untuoso, que ligava os sabores do conjunto: um suave
doce, quase a pedir desculpa pela sua presença, um tímido toque de acidez e um
quanto baste de sal.
Distraído pelo prego, quase me esqueci das
batatas fritas que vieram da cozinha atrás dele. Felizmente dei por elas a
tempo!
Resultado da emancipação da secção pregueira do
Sea Me – Peixaria Moderna, o Prego da Peixaria instalou-se na Rua da Escola
Politécnica, primeiro, na Rua da Praia da Vitória, no Saldanha, depois, e já
reservou lugar na Avenida da Igreja, em Alvalade.
Na sua carta inclui-se o Foodie, que é um prego
de atum em bolo do caco feito com farinha de alfarroba.
O pão, escuro e de aparência fofa, permitiu uma
textura húmida sem empapar, apesar da comoção de uma manteiga de ervas
provocada pelo encosto quente do peixe e dos seus sucos.
O bolo do caco que chegou ligeiramente amargo, adocicou-se,
equilibrando a nota salgada do atum, magistralmente cozinhado, que se
apresentou suculento, apaladado e de excelentes cores!
O conjunto, do qual faziam parte umas batatas
doces fritas que o enriqueciam, resultou harmonioso e rico em sabores.
Se tiver de escolher, escolha os dois!